Stella McCartney
sabato
:: Regresso...
Regresso
E contudo perdendo-te encontraste.
E nem deuses nem monstros nem tiranos
te puderam deter. A mim os oceanos.
E foste. E aproximaste.
Antes de ti o mar era mistério.
Tu mostraste que o mar era só mar.
Maior do que qualquer império
foi a aventura de partir e de chegar.
Mas já no mar quem fomos é estrangeiro
e já em Portugal estrangeiros somos.
Se em cada um de nós há ainda um marinheiro
vamos achar em Portugal quem nunca fomos.
De Calicute até Lisboa sobre o sal
e o Tempo. Porque é tempo de voltar
e de voltando achar em Portugal
esse país que se perdeu de mar em mar.
Manuel Alegre
::
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo.
Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é, Sentir,
sinta quem lê !
Fernando Pessoa
Deixem-me o sono !
Sei que é já manhã.
Mas se tão tarde o sono veio,
Quero, desperto,
inda sentir a vã Sensação
do seu vago enleio.
Quero, desperto,
não me recusar
A estar dormindo ainda,
E, entre a noção irreal de aqui estar,
Ver essa noção finda.
Quero que me não neguem
quem não sou
Nem que, debruçado eu
Da varanda por sobre onde não estou,
Nem sequer veja o céu.
Fernando Pessoa
Dorme que eu velarei;
A vida é vaga e informe,
O que não há é rei.
Dorme, criança, dorme,
Que também dormirei.
Bem sei que há grandes sombras
Bem sei que há grandes sombras
Sobre áleas de esquecer,
Que há passos sobre alfombras
De quem não quer viver;
Mas deixa tudo às sombras,
Vive de não querer.
Fernando Pessoa
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
Sim, tristeza - mas aquela
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.
Seja o que for, é o que tenho.
Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.
Fernando Pessoa
e amanhã é, em meu coração,
Qualquer coisa sem ser,
pública e vã
Dada a um público vão.
O sono!
O sono!
este mistério entre dois dias
Que traz ao que não dorme
À terra que de aqui visões nuas, vazias,
Num outro mundo enorme.
O sono!
O sono!
que cansaço me vem dar
O que não mais me traz
Que uma onda lenta,
sempre a ressacar,
Sobre o que a vida faz ?!
Fernando Pessoa
- espessa nuvem embrionária.
Verdes,imaturos crustáceos
emergimos à superfície
grávida das ondas.
Somos o medo ou sua improvável renúncia.
O que sabemos do amor, da morte,
é só difusa,opaca,luminosa fábula.
Albano Martins
Deixei atrás os erros do que quis
E que não pude haver porque a hora flui
E ninguém é exato nem feliz.
Tudo isso como o lixo da viagem
Tudo isso como o lixo da viagem
Deixei nas circunstâncias do caminho,
No episódio que fui e na paragem,
No desvio que foi cada vizinho.
Deixei tudo isso, como quem se tapa
Deixei tudo isso, como quem se tapa
Por viajar com uma capa sua,
E a certa altura se desfaz da capa
E atira com a capa para a rua.
Fernando Pessoa
:: Que estou Só...
Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto se o for, serei em vão,
Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.
Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.
Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem.
Fernando Pessoa
Iscriviti a:
Post (Atom)