martedì

O gri.to do Lo.bo


O escritor acordou estremunhado, com o ruído insuportável do toque do telefone, que têm três níveis: o baixo que não serve para nada porque ele está cada a vez a ficar mais surdo, o médio que lhe dá vontade de dar com o martelo no telefone, e o alto que nos aponta directamente o caminho para um hospício. Com paredes forradas a cortiça para nunca mais ter que que ouvir o mundo a rosnar com delicadeza respostas supostamente inteligentes a perguntas completamente idiotas de jornalistas totalmente ignorantes que nem depois dos prémios se deram ao trabalho de ler o livro.


Estava a dormir com o sossego das crianças que nunca crescem. e nos seus sonhos povoados de fantasmas de irmãos e tios todos de olhos azuis, as árvores do jardim formavam copas à sua volta, num labirinto de fresco e verde que o aprisionava, mas ele no fundo gostava de estar ali escondido do mundo e de si próprio, no aconchego de um passado sem tempo...



Toda agente sabe que o escritor têm mau feitio(eu pessoalmente não me posso queixar, pelo contrário)chamando-lhe irascível, superior, arrogante e antipático, mas ele não nasceu para ser dócil, nem modesto, nem simpático, nasceu para dar livros ao mundo e por isso enquanto os souber e quiser e puder dar pode ser que o que lhe apetecer que ninguém tem nada a ver com isso.



Com os seus olhos enormes de um azul único, recostou-se outra vez na cama e acendeu um cigarro. Soprou para o ar o fumo inútil e pensou: que os que agora falavam dele da sua obra, e também doença. Talvez fossem os mesmos ou os amigos daqueles que achavam que ele era mau escritor, que os livros dele eram todos ilegíveis e intragáveis, que nunca conseguiria ser levado a sério por eles, eles que se levam todos tão a sério como se dali nascesse a sapiência do mundo inteiro, eles que vivem, escrevem, vivem e matam-se todos uns aos outros por mais um momento de protagonismo, eles que em nada tinham a ver com ele...



O escritor encolheu os ombros, fechou o azul imenso dos seus olhos, voltou para baixo das copas das árvores do jardim de infância, depois regressou ao presente, olhou para o relógio que já marcava dez horas e pensou: se ao menos o meu amigo Zé (José Cardoso Pires) ainda fosse vivo, ligava-me agora mesmo e podiamos dizer mal dos tipos e gozar um bocado com isto tudo. Mas o telefone não tocou e o escritor encostou a mão ao peito para ouvir dentro do seu coração o bater do coração do outro escritor e gritou, como um lobo: Vou ficar bem, vou continuar e isto faço-o também por ti Zé! Que me queres cá por baixo muito tempo, a escrever pelos dois muitos livros!!!