giovedì

:: Imaginar...




Imaginar...
Assim que chegou a casa, executou todos os passos previsíveis de qualquer pessoa em qualquer cidade do mundo.

Pendurou o casaco, poisou as chaves, correu as cortinas, descalçou-se e trocou de roupa de executiva por umas calças confortáveis e uma camisola larga. Em seguida, ligou a televisão, ouviu as noticias, percorreu com o comando a oferta desinteressante da programação, levantou-se, sentou-se ao computador, respondeu aos "mails" e limpou o lixo do Outlook Express.


Já passava da hora de jantar quando se lembrou de ir à cozinha preparar qualquer coisa para comer. Abriu o congelador e retirou uma embalagem de lasanha que, se não consumisse no espaço de uma semana, passaria da validade.Retirou a tampa de alumínio e enfiou-a no pequeno forno eléctrico. Depois, poisou num tabuleiro um prato, um garfo, uma faca e um copo, e encheu este último com um resto de sumo que sobrara.


De novo, foi-se instalar diante da televisão. Dos noventa e nove canais disponíveis,tudo lhe pareceu repetido: os mesmos leopardos descarnando gazelas, os mesmos aparelhos de ginástica, as mesmas guerras, as mesmas cenas pornográficas, as mesmas cirurgias de reconstrução plástica, os mesmos debates políticos, as mesmas perseguições policiais, os mesmos filmes com explosões e metralhadoras, os mesmos melodramas, as mesmas experiências com ratos, obesos , anorécticas, e toxicodependentes.


Por vezes, interessava-se por pormenores de que, no dia seguinte, não voltaria a lembrar-se.Desligou a televisão e pôs música, que ouviu reclinada na cadeira e de olhos fechados:

primeiro clássica, depois uma soprano italiana, e depois uns solos de violino que acabaram por lhe causar ansiedade. Terminou a lasanha e lavou os pratos, ajeitou a cozinha e foi lavar os dentes, antes de se despir e meter na cama.



Já deitada, leu um ou dois parágrafos de um livro que se mantinha há muitos meses na sua mesa de cabeceira, e ainda passou os olhos pelo quadro que pendurara no quarto há menos de um mês: a imagem surrealista de uma mulher dentro de água com um feto nos braços.


Antes de apagar a luz, sorriu de satisfação: o dia acabava para toda a gente, mas o dela começava agora...