venerdì



Faz do sangue a morada das tuas noites
e nada será tão verdadeiro
como o lume da pele com que te dispoe
o que resta das manhãs que deixaste
à cabeceira do meu corpo
ficará entregue às tuas mãos de terra
onde tudo pode a seu tempo germinar
mas há sempre uma noite em que tudo
magoa assustadoramente
mesmo que na escada o som dos teus passos
se prolongue em todos os corredores
das minhas mãose já não posso adiar por mais tempo
as palavras que sempre soube terem
um prazo secreto de validade
para nos ferirem de morte
então deixa que a minha boca desfaça no teu corpo
os caminhos da casa a que um dia
vais querer voltar
porque terás sempre o meu nome
a rebentar das tuas veias
e hás-de esquecer entre os dentes
a areia que media o tempo das esperas
vermelho e leve como as romãs de novembro
e muito mais tarde alguém te vai pedir amor
como se fosse um fruto fora de época
ou o cheiro a incenso de um domingo de província
e tu não vais ter nada para dar
porque tudo o que havia eu já levei comigo
entre os cigarros / os retratos / a roupa amarrotada
mas ouve não abras ainda a porta
restam-me alguns segundos para ensinar
à memória que vais ter de mim
como adormecer na curva das madrugadas
- para que um dia ela consiga perceber
que é assim que tudo acaba
Alice Vieira